quinta-feira, setembro 11, 2008

Eles não são fotogénicos

Paulo Martins, no JN de 11 de Setembro de 2008 comenta a participação dos Atletas Paralímpicos.

Deixo aqui o artigo de opinião dele.

Eles não são fotogénicos

Quando o jornalista lhe perguntou se há condições para a prática de boccia em Portugal, Helena Bastos não apresentou um "caderno reivindicativo", nem aproveitou para criticar a falta de apoios. Limitou-se a constatar o óbvio: "É evidente que nós queremos sempre mais". A seleccionadora nacional da modalidade vocacionada para deficientes, entrevistada pelo Diário de Notícias após o ouro e a prata conquistados em Pequim por atletas portugueses, exprimiu outra preocupação: "Ninguém se interessa em mostrar os atletas de boccia. Só quando ganhamos uma medalha".

O lamento podia muito bem ser partilhado por responsáveis ou praticantes de uma mão cheia de modalidades que só chegam às páginas dos jornais e aos écrãs de televisão quando o rei faz anos - e ainda assim a cantinhos pouco visíveis, porque o futebol monopoliza todos os espaços, quando se fala de desporto.

A triatleta Vanessa Fernandes ganhou o seu espaço à custa de dezenas de vitórias, mas João Paulo Fernandes e António Marques, que dominaram o pódio individual de boccia nos Jogos Paralímpicos, terão certamente muito pouco tempo para desfrutarem o seu momento de glória. Dentro de uns anos, talvez a Comunicação Social volte a prestar-lhes atenção.

"Os atletas de boccia não têm uma imagem que cative". Sem pintar as palavras de cores garridas, Helena Bastos acrescenta àquele obstáculo à visibilidade pública dos seus atletas um outro, mais "doloroso". Os media compensam a difusão das desgraças do quotidiano - o crime sangrento, o acidente aparatoso - com imagens a transpirar felicidade, corpos que, de tão esbeltos, parecem artificiais.

Andamos todos a render-nos à filosofia da "gente bonita", que há muito tomou conta das revistas cor-de-rosa. E é aí que bate o ponto: os deficientes "não tem uma imagem que cative". Privados de fotogenia - pior: de telegenia - ficam de fora, como se devessem ser afastados no nosso olhar. São "descobertos" apenas de quatro em quatro anos, quando a chama paralímpica se acende. Na melhor das hipóteses, alguém se lembra deles para a obrigatória efeméride, um qualquer Dia do Deficiente.

E no entanto estes atletas têm vindo a dar-nos muitas alegrias. Ainda a procissão vai no adro e só no torneio individual de boccia já foram alcançadas tantas medalhas como as que somou toda a representação nacional nos "outros" jogos. Os paralímpicos não ganham milhões, como os futebolistas, mas não se poupam a esforços, nem esmorecem na dedicação. Cumprem, aliás, exigentes programas de preparação. Um (bom) exemplo: João Paulo Fernandes desloca-se todos os dias de Vale de Cambra ao Porto para efectuar duas sessões de treino.


Jogos Paraolímpicos de Pequim - Wikipédia

Jogos Paraolímpicos de Pequim - Página oficial

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