Transcrevo aqui o recente artigo de Mário Crespo no Jornal de Notícias (11-02-08).
"No caso do Eleven o que está em causa não é a defesa do investimento privado, é a salvaguarda da rendibilidade dos bens públicos
Entrevistei António Sousa Franco quatro ou cinco vezes no decurso da sua carreira política. Disse-me, durante governo de António Guterres, que havia muito dinheiro a chegar a Portugal em fundos estruturais mas que estava apreensivo quanto à forma como esse dinheiro ia ser utilizado. "Estou a tentar convencer os Ministérios e todos os departamentos em geral (incluindo Forças Armadas) a pagar rendas a valores de mercado ao Estado pelas instalações que usam, mas há muita resistência". Anotei esta declaração do Professor Sousa Franco porque era, e é, revolucionária. Ela denota um supremo respeito pela coisa pública. A propriedade imobiliária pública, que é mal gerida pelo Estado, tem sido desde sempre uma das razões do défice. "Temos que modernizar a contabilidade pública em Portugal" dizia Sousa Franco que obviamente sabia que muito do "monstro" estava escondido entre rendas, ridiculamente baixas, rendas não cobradas e ausência de rendas devidas ao Estado.
O caso do restaurante Eleven, segundo dizem, o melhor de Lisboa, que paga os tais 500 Euros de renda mensal à Câmara é uma dessas surpreendentes concessões de terreno público. Haverá infindáveis e grandíloquas justificações contabilísticas para tentar dourar a pílula. Há sonoros e pungentes gritos de ultraje com o facto de se ter divulgado a renda, mas o que ressalta é que o montante que a sociedade exploradora do Eleven paga é irrisório.
É irrelevante que ao fim de vinte anos as grandes marquises que o formam passem para a propriedade da Câmara de Lisboa. É que elas só valem pela beleza indescritível da cidade vista de um dos seus pontos mais altos, que acontece ser terreno público.. Uma construção com vigas de aço, alumínio e vidro, em duas décadas vai precisar de muita manutenção, dizem-me técnicos conhecedores. É pouco provável que o edifício se torne num pólo de atracção turística pelo seu depoimento arquitectónico. O valor do prédio é a sua localização. Tudo o mais é muito precário.
Por outro lado, se os direitos sobre o restaurante já foram transaccionados entre o projectista que ganhou o concurso e vários dos actuais sócios do grupo explorador, porque é que não o hão-de voltar a ser logo que as mais valias se tornem tentadoras? Nesse caso, o que é que a Câmara ganha com isso? Compete à Câmara investigar e tentar rectificar um manifesto erro de gestão, senão, os 500 Euros indexados à inflação, daqui a 20 anos ainda são mais patéticos do que hoje. Em defesa alega-se um investimento de 2 Milhões de Euros feito na construção do restaurante. Como é que se chegou a esta verba? Estava explícita no concurso? Houve fiscalização do seu cumprimento? É que o que está em questão não é a defesa ou condenação de um investimento privado ou honras pessoais dos envolvidos.
O que exige debate público é a salvaguarda da rendibilidade dos bens públicos, neste caso de um terreno que é uma valiosa peça de imobiliário do território português. Ao fim dos vinte anos é um activo que valerá infinitamente mais do que os dois milhões investidos. Neste sistema de concessão o rendimento fiscal é penalizado. Sendo apenas concessionária a sociedade não paga os impostos sobre o terreno. Mas já há dúvidas. O concurso para a construção do restaurante foi feito durante o executivo de coligação PS/PCP na Câmara de Lisboa.
João Soares, que o dirigia, disse recentemente que pelo que se recordava havia diferenças de volumetria entre o fixado no concurso e o que está feito. O actual executivo não parece entusiasmado com o formato da concessão. José Sá Fernandes foi quem denunciou publicamente o montante da renda dando-o como um exemplo entre muitos de situações a rectificar para que o justo e necessário rendimento do terreno público seja obtido. Só que agora deve ser muito difícil rever e alterar o contrato. Pelo número de birras que a divulgação destes valores causou, parece haver poderosos defensores da continuidade deste modelo.
Assim, aqui fica uma previsão. Como para grandes males, grandes remédios, seguindo a velha tradição governativa portuguesa, vai-se pedir um ou dois pareceres.
Perde-se dinheiro por todo o lado, mas parece muito melhor."
segunda-feira, fevereiro 11, 2008
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