O sr. Presidente Aníbal Cavaco Silva, o tal que fez campanha contra Jorge Sampaio dizendo que Portugal era um País de católicos (Jorge Sampaio é Ateu) limitou se a expressar a sua moral católica ao vetar a Lei, como podem ver nos textos de Fernanda Câncio (Diário de Notícias de 22 de Agosto de 2008) que aqui deixo caso deixem de estar disponíveis.
"Veto do Presidente subverte conteúdo da lei"
Divórcio. Socióloga Anália Torres declara-se "chocada" com fundamentação
"É completamente falso que haja decisão unilateral de divórcio. O veto do Presidente subverte completamente o conteúdo da lei. Chega-se a duvidar que esteja a referir-se ao diploma que ajudei a preparar". A socióloga Anália Torres, que com o especialista de Direito de Família Guilherme Oliveira colaborou nos trabalhos preparatórios do projecto de Lei do PS que acaba com o divórcio litigioso, diz-se "chocada" com "o tom do veto", e pela "quase total subversão dos conteúdos".
O veto presidencial utiliza várias vezes a expressão "pedido de divórcio unilateral", que, diz Torres, "é completamente errónea". A lei só prevê quatro situações em que um cônjuge pode pedir o divórcio sem consentimento do outro", explica. "Insanidade mental, ausência em parte incerta por período mínimo de um ano, separação de facto durante um ano (até agora era necessário provar a separação por três anospara obter o divórcio), e ruptura manifesta da vida conjugal". Mas, alerta a socióloga, não há decisão unilateral porque "tem de ser um juiz a decidir /avaliar se há razões válidas para a ruptura manifesta".
Além disso, prossegue, o veto "demonstra uma ignorância total do Direito de família e do regime de comunhão de adquiridos, assim como quanto ao regime de créditos criado para os encargos da vida familiar, ao pôr a hipótese de um cônjuge que contribuiu mais, do ponto de vista financeiro, para a vida em comum, possa exigir ao cônjuge que contribuiu menos que o compense por isso no divórcio". O regime de comunhão de adquiridos consagrado no diploma, certifica a especialista,considera o "bolo" criado durante o casamento como sendo metade de cada um dos cônjuges, independentemente que quem pagou mais coisas. Os créditos criados pela lei só dizem respeito ao contributo não financeiro - criar filhos, trabalho doméstico, etc. "É pela primeira vez a dignificação do trabalho no lar", diz Anália Torres, que conclui: "A generalidade dos países da Europa consagrou regimes semelhantes há décadas. Este veto faz-nos sentir como que isolados no mundo, está imbuído de uma visão antiga do casamento, com mais de 40 anos". Também Guilherme Oliveira já reputou, em declarações ao Público, a fundamentação do veto de "ridícula".
Fonte DN
"O Divórcio da Realidade"
Cavaco Silva vetou o novo regime do divórcio (que acaba com o divórcio litigioso), prevendo "consequências graves" caso seja posto em prática. Essas consequências teriam a ver, para o PR, com "a desprotecção do cônjuge que se encontre numa situação mais fraca" ou "mais débil" - que para o presidente é "em regra a mulher". Para começo de conversa, portanto, o veto presidencial informa que as mulheres são fracas e débeis. E que, "em regra", quem se quer divorciar são os homens.
Que factos, estudos, evidências, apresenta o PR para fundamentar esta perspectiva? Nenhuns. Não cita quantos divórcios litigiosos (eram 6% do total de divórcios no País em 2005) foram solicitados por homens e por mulheres. Não apresenta um apanhado das sentenças de tribunal sobre a atribuição da "culpa" nos ditos divórcios. Não cita, sequer, dados relativos a países de realidade semelhante (o que seria árduo, já que na esmagadora maioria dos países europeus o divórcio litigioso acabou há muito). Nada. Por outro lado, havendo tantos países em que leis semelhantes estão em vigor há mais de 30 anos, a visão catastrófica do veto não colhe neles qualquer exemplo ou consubstanciação. Sendo adquirido que a um Presidente da República se exige não confundir as suas convicções com a realidade e as suas opções de vida com o interesse dos portugueses, a ausência de referências só pode dever-se a um motivo: o PR quis simplificar.
Será pois essa preocupação, a de simplificar, que explica que ao elencar uma série de situações hipotéticas e gravosas "criadas " pela nova lei - "um marido que agride a mulher ao longo dos anos e passa a poder obter o divórcio independentemente da vontade da vítima dos maus tratos" e, "por força do crédito atribuído pelo novo diploma, exigir do outro pagamento de montantes financeiros"; "um cônjuge economicamente mais débil que pode sujeitar-se a uma violação reiterada e deveres conjugais sob a ameaça de, assim não proceder, o outro cônjuge requerer o divórcio unilateralmente" - o veto opte por elidir vários factos. O mais importante é o da inexistência de "divórcio unilateral" (ou "a pedido") na lei em análise. Esta só possibilita o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em quatro casos: separação por um ano consecutivo ou ausência em parte incerta por período não inferior, insanidade mental ou "factos que demonstrem, independentemente da culpa, a ruptura definitiva do casamento" (ruptura e factos esses a serem avaliados em sede de tribunal). Assim sendo, surgirá talvez um pouco esdrúxula a ideia de um agressor que se apresentasse a tribunal fundamentando nas agressões de que é autor o pedido de divórcio - estaria, naturalmente, a incriminar-se e a fornecer prova para os processos de crime de violência doméstica (crime público, recorde-se) e de reparação de danos que a vítima decerto lhe moveria. E quanto aos "créditos" invocados pelo veto, só se aplicam no caso de "trabalho no lar", ou seja, ao contributo invisível e não financeiro prestado à vida em comum - sendo a primeira vez que uma lei dignifica esse contributo e o valora financeiramente.
Na verdade, o veto à nova lei do divórcio é tão simplificador e atém-se tão pouco à lei recusada que mais parece um veto à ideia de divórcio. No país da Europa onde o número de divórcios mais tem aumentado, é uma espécie de divórcio da realidade. E do país.
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